A negociação autônoma já é realidade. Agentes de IA conduzem cotações, ajustam preços, escolhem fornecedores e assinam acordos sem que ninguém precise apertar um botão. Mas há uma pergunta que pouca gente se faz: quem ensinou essas máquinas a negociar desse jeito? As decisões podem até ser rápidas, mas a lógica por trás delas ainda carrega os mesmos modelos econômicos do século passado. E quando a base é frágil, escalar a execução pode significar escalar também os equívocos.

As máquinas não aprendem a negociar do zero

Quando dizemos que um sistema de IA aprende, raramente significa que ele inventa novas lógicas. O que ele faz, na prática, é replicar estruturas existentes com base em dados históricos e parâmetros definidos. E muitos desses parâmetros vêm da teoria econômica clássica, especialmente da ideia de que mercados são eficientes, agentes agem racionalmente e decisões devem buscar equilíbrio.

Modelos como o de Nash, amplamente usados em simulações de negociação, assumem que todos os envolvidos sabem o que estão fazendo, têm informações equivalentes e visam apenas maximizar o próprio ganho. Na prática, nenhum desses pressupostos se sustenta integralmente. Mas eles continuam sendo a base silenciosa de muitos algoritmos de negociação autônoma.

O resultado? Agentes de IA que otimizam acordos, mas desconsideram contexto, urgência, relação de longo prazo ou intenção estratégica. Porque aquilo que não entra no modelo simplesmente não existe para o sistema.

Contratos inteligentes com regras antigas

Blockchain, smart contracts, condições autoexecutáveis: os termos são novos, mas as ideias por trás deles continuam sendo desenhadas por humanos com a mentalidade de sempre. Muitas vezes, a lógica programada é punitiva, binária e linear. Se o prazo atrasar, multa. Se o custo subir, trava. Se fugir do padrão, rejeita.

Só que a realidade da cadeia de suprimentos é cheia de exceções justificáveis. Um bloqueio logístico pode comprometer um fornecedor estratégico. Uma variação cambial pode exigir renegociação rápida. Mas o sistema, se não for orientado para compreender contexto, apenas executa.

E aqui está o ponto crítico: programar um sistema automatizado é uma forma de legislar. Cada regra que a IA segue é uma decisão sobre o que importa, o que pode falhar, o que merece ser tolerado. E quando essas decisões são feitas com lógica simplificada, a eficiência vira um risco disfarçado.

Eficiência baseada em um mundo que já mudou

Durante décadas, a economia operou com base na ideia de que os mercados se autorregulam. Mas o mercado real é instável, assimétrico, sujeito a ruídos políticos, climáticos e logísticos. Ainda assim, a maioria das IAs comerciais usadas hoje em compras e procurement segue calibrada com base em dados históricos de um passado previsível ou com hipóteses idealizadas de que o comportamento futuro seguirá padrões do passado.

Essa defasagem cria um problema silencioso: a IA toma decisões corretas com base em premissas erradas. O sistema entrega o menor custo possível, mas sacrifica o relacionamento. Cumpre a meta de tempo, mas força concessões. Garante performance mas segundo critérios que ninguém mais revê há meses.

O risco, aqui, não é a máquina errar. É ela acertar dentro de uma lógica que já não serve mais.

Uma arquitetura que perpetua ideias antigas

A IA aprende com o que foi codificado. E o que foi codificado, na maioria das vezes, nasceu como exceção, improviso ou decisão oportunista. Só que o sistema não sabe disso. Ele repete. Ele transforma exceções em regra e parâmetros provisórios em estrutura fixa.

Essa transformação invisível é uma das mais perigosas. Porque a arquitetura que define as decisões deixa de ser questionada, já que o sistema “funciona”. Mas o que ele faz, na verdade, é perpetuar escolhas que ninguém mais revisou. Um fornecedor de baixa performance continua sendo priorizado. Um desconto forçado continua sendo regra. Um lead time irreal continua sendo exigido.

E tudo isso passa como normal. Porque, agora, é a máquina quem decide e o humano já não sabe mais o que exatamente está sendo perpetuado.

O papel humano não é revisar decisões. É revisar raciocínios

Quando dizemos que a IA deve ser auditável, não estamos falando apenas da rastreabilidade de cada execução. Estamos falando de capacidade de auditar a lógica, os pesos, os critérios e os incentivos que estão por trás de cada escolha feita pelo sistema.

Isso exige mais do que checar o relatório. Exige revisar o raciocínio que orienta o agente. Exige perguntar: as decisões continuam fazendo sentido ou só continuam sendo feitas? Porque uma IA eficiente, operando sobre uma lógica ultrapassada, é como um trem bala em trilhos errados mais rápido, mas para o lugar errado.

Automatizar é fácil. Raciocinar dá trabalho.

A negociação autônoma está avançando. Mas a maioria dos sistemas não foi pensada para revisar seus próprios pressupostos. E é aí que o humano faz falta. Não para checar cada execução, mas para garantir que o raciocínio ainda seja válido.

A revolução da IA não depende apenas de modelos mais rápidos. Ela depende de arquiteturas mais conscientes. De agentes que saibam quando estão operando sobre um critério vencido. De empresas que entendam que delegar à IA não é abrir mão de decidir, é assumir a responsabilidade de revisar o que está sendo reproduzido.

A próxima fronteira da automação não é técnica. É crítica.

Quer entender como construir decisões que aprendem junto com a cadeia? Fale com nosso time e veja como os agentes da Supply Brain evoluem a cada negociação.

Roma

Roma

Product Content Creator na Supply Brain.

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